Menor fumando crack (Créditos: Renata Azevedo - Unicamp. Março de 2001)
Estes dias aqui em Campinas assisti a várias reportagens de vítimas do crack. Tristes mesmo, como a da mãe que se fez obrigada a acorrentar o filho em casa para que ele não fosse em busca da droga. O menino tem 13 anos e já está internado para tratamento.
Isso me lembrou um episódio insólito que me aconteceu no ano passado. Dirigi-me à Santa Ifigênia para comprar uma placa de um aparelho de lavar roupa para o meu pai e me informaram que eu encontraria perto dali, na rua Helvetia. Ao seguir pela Av. Rio Branco, encontrei a tal rua, mas em vez de seguir pela esquerda, dobrei à direita, achando que estaria próximo da tal região das lojas de peças para máquinas de lavar.
Ao seguir caminhando, fui procurando as tais lojas, sem sucesso, a não ser pelas lavanderias da região. Numa travessa desta rua perguntei a dois guardas civis se eu poderia encontrar essas lojas por ali e me recomendaram perguntar a alguém das lavanderias. Pois fui seguindo pela rua Helvetia e, aos poucos, fui percebendo que estava no lugar errado. De repente, alguém me aborda, sem que eu parasse, dizendo:
- Aê, mano. Vai querer quanto..?
Depois disso, ao ver pessoas do outro lado da rua, lembrei-me de tantas imagens e reportagens sobre aquele lugar: a Crackolândia! A minha primeira reação foi guardar meu relógio e apertar o passo, numa tentativa de escapar dali, sem chamar muita atenção. Havia me dado conta, pois, o porquê de algumas pessoas me olharem meio torto enquanto adentrava àquela rua. Para muitos, poderia ser mais um "playboy" indo atrás do "produto".
O meu medo e desespero foram, aos poucos, no entanto, dando lugar a uma profunda tristeza e consternação ao notar a precariedade e calamidade às quais os viciados estavam ali expostos. A degradação era algo que nunca havia visto na vida. Era como se uma miséria profunda os tivesse atingido. A consciência e dignidade humanas haviam dado lugar ao caos e à regressão total de suas mentes. A droga havia provocado a devastação a todos ali: mulheres, homens, mães com crianças de colo, ora sentadas à beira da calçada, comendo com a mão restos de comida, ora dormindo no chão frio com cobertores imundos, ora pedindo esmolas que fatalmente seriam usadas para compra das pedras, ora dialogando sem nexo uns com os outros.
Alheio a isso tudo, passando à margem, foi difícil passar por ali sem poder tomar atitude alguma para minimizar aquele sofrimento. Quase sufocante, pois a impotência nos torna reféns das nossas pernas, que nos levam para longe dali, como num ato reflexo, de sobrevivência. Finalmente pude ver com meus próprios olhos aquilo que sempre me ensinaram: que as drogas, algumas vezes símbolos da liberdade, torna prisioneiro quem as usa, quase sempre em cárcere privado, sem direto a visitas e de modo perpétuo. Entrar é fácil. Uma vez dentro, sair é uma guerra. Isso porque as drogas, especialmente o crack, geram, além de uma dependência psicológica, uma dependência química, e em alguns casos, física. O cérebro não permite mais ao viciado tomar conta de sua vida, pois ele passa a ditar as necessidades do corpo, sempre em torno da droga.
Hoje quando vejo uma reportagem sobre viciados, procuro imaginar qual o sofrimento e histórico daquela pessoa. Quais as circunstâncias que o levaram a iniciar o processo de devastação e o que o impede de sair dele. Sabe-se que muitos querem no seu íntimo, no que lhes sobrou de humanidade e inteligência, se livrar desse mal. Mas também se sabe que o contato com traficantes - os "amigos" - , a falta de apoio da família e da própria sociedade impedem este resgate daquele que é vítima, mas é considerado bandido.
Encontrei a placa a várias quadras dali, na direção contrária. Choveu forte no caminho e encontrei a peça numa loja próxima à estação de metrô Santa Cecília. Mas essa experiência foi cruelmente inesquecível. E me pergunto: quais as ações que podemos tomar para que isso nunca mais torne a acontecer?